bleka

registro: 08/07/2008
A PAZ é a recompensa de seguir seu coração.
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A ARTE DO DESAPEGO...


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Muitos vivenciam o amor como um rasgo a que a alma se submete intencionalmente para exigir que a mão do amado a costure.

O problema é que a mão do outro nem sempre está disponível para esse trabalho: a 


alma sangra, dói, e os rasgos se expandem…


A dor, quando bem resolvida, pode ser um prenúncio de beleza. Mas, para que o belo 

de fato advenha, é preciso viver a dor, senti-la, tocá-la, integrar-se a ela, e transmutá-la, 
sabedores de que o vivenciar a dor também é parte do exercício de amor.

Já tive muitos castelos desmoronados na poeira dos dias. Quem não os teve? E a dor, 

nesse caso, é inevitável.

Em nossa alma aprendiz, amar é desejar estar ao lado do outro, dentro do outro. É 

querer ser o outro sem sair de si mesmo. 

É construir uma redoma de sonho e ali inserir o amado, sob a eterna e vigilante 

proteção dos nossos olhos. 

E queremos que o outro caiba exatamente no nosso sonho e viva o nosso projeto de existência. Que ele esteja no cenário que construímos e encene o papel que lhe escrevemos.
E, num repente, algum novo vento nos sopra e mostra que o outro não é exatamente o 

aquele a quem julgamos amar. 

Percebemos que ele tem segredos e mistérios maiores que pensávamos e ficamos 

perplexos ao perceber que ele tem caminhos traçados e que quer percorrê-los, muitas 

vezes, sem nós. 

Perdemos a voz ao saber que a alma do outro é hóspede e hospedeira de outras almas. E as nossas pernas tremem ao constatar que a redoma era ilusão. 
Que todo o castelo de amor era ilusório. E a dor chega e castiga e fustiga a alma com cem mil acusações.
O que nos sangra, num momento como esse, é a obrigação de desamar.

Mas será que isso existe?


Os poetas, há muito, já apregoaram que o amor é sempre “para sempre”.


Questionaremos as verdades poéticas? Banalizaremos o amor? Faremos dele um 

bibelô barato e quebrável destinado a adornar, por breves dias, as estantes da nossa 

alma?

Ocorre que somos ainda aprendizes da arte do eterno. O amor não reside senão no 

desejo da plenitude do outro. Ele não se esmera a não ser no respeito ao outro. Ele não 
pulsa a não ser para o querer o bem e sonha que o outro, pássaro livre em perfeição de 
voo, possa vislumbrar, dos cumes de si mesmo, os mais belos sentimentos e paisagens da terra.
E assim, quando o outro não mais deseja estar ao nosso lado, isso nos fere e sangra, mas o que nos massacra não é o outro. É desejo egoístico de aprisionar um espírito que também, assim como nós, tem sede de infinitos.
Tenho comigo que o que mais dói é a obrigatoriedade que nos impomos, quando o castelo desmorona, de desamar o outro. E embora talvez não o tenhamos amado de fato, fizemos um esboço de amor e é desorientador apagá-lo. Desamar é doloroso demais, porque o desfazimento do amor é contrário à nossa natureza etérea, espiritual, eterna.
Devemos, sim, exercitar o desapego; não o desamor. Desejar a liberdade, a integralidade, a plenitude do outro. Compreender que o que dói não é o amor não correspondido, mas a quebra das correntes (talvez até de ouro) com que tentávamos prender alguém. Apenas quando soubermos apreciar com encantamento a liberdade, seja ela nossa ou de um ser amado, teremos conhecido a face invisível e invencível de um amor verdadeiro.
E a alma, outrora rasgada, fará das cicatrizes uma arte emoldurada e rebordada de vida, na certeza de que toda a dor, bem lá no fundo, labora a nosso favor.

 Nara Rúbia Ribeiro
Escritora

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