acma1953

registro: 03/01/2011
I miss you,I'm gonna need you more and more each day I miss you, more than words can say More than words can ever say
Pontos8mais
Manter o nível: 
Pontos necessários: 192
Último jogo

Ficção?Realidade? é a carne

A CARNE

Ele era médico legista e ela não conseguia deixar de pensar nisso enquanto faziam amor. Ele tocava-lhe de uma forma tão precisa, tão leve, tão cirúrgica que ela se sentia mais exposta do que alguma vez no passado. Sabia que ele conhecia em pormenor todos os músculos, todos os tendões, todas as artérias e todas as veias do seu corpo. Sentia-lhe os dedos deslizando pelos braços, em redor do peito, através do abdómen e não conseguia evitar um arrepio de temor. Como se, a qualquer instante, com um gesto suave e preciso, usando uma unha como bisturi, ele pudesse abrir-lhe um golpe na carne e entrar-lhe verdadeiramente no corpo. Estava consciente de que era uma estupidez pensar tal coisa: ele era amável, atencioso, até um pouco tímido (e trazia sempre as unhas bem curtas). Mas não conseguia evitá-lo. Na realidade, era forçada a admitir que não desejava evitá-lo. Que procurava a sensação. Que a transformara numa parte essencial do acto amoroso. As capacidades dele para ler o corpo humano, para identificar zonas frágeis, para o desmembrar, se fosse preciso, haviam-se tornado num elemento de excitação adicional.

Meses depois do início da relação abordou finalmente o assunto. Perguntou-lhe: «O meu corpo é muito diferente dos corpos com que lidas no trabalho?» Os olhos dele arregalaram-se de surpresa. Ela ponderou se teria sido a primeira mulher a colocar-lhe a pergunta. Depois pensou que talvez a surpresa dele resultasse não de ser a primeira vez que lhe faziam a pergunta mas de, tanto tempo decorrido após o início da relação, já não a esperar. Antes de ele responder, acrescentou: «O que quero dizer é: quando acaricias o meu corpo notas as semelhanças com os corpos que autopsias? No fundo, é só carne, não é?» As palavras soaram-lhe inadequadas e brutais e ela arrependeu-se de ter iniciado aquele diálogo. Mas ele recuperara a expressão de beatitude. Quase sorria, na verdade. Disse: «Não, não noto as semelhanças. Noto as diferenças.»

Foi nesse momento que a relação deles entrou numa nova fase.

NOTA: Texto enviado por um amigo e recebido por email 

 

https://www.youtube.com/watch?v=H2cKIvroNIc