acma1953

registro: 03/01/2011
I miss you,I'm gonna need you more and more each day I miss you, more than words can say More than words can ever say
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Último jogo

Viver, na corda bamba, mas viver

Desperto pela manhã, coloco os pés no chão e percebo que o meu solo já não é alcatifado, sei que já não é composto por relva macia e que ali já não dorme um tapete confortável. E reconheço...não há ninguém para me dar a mão e fazer saltar da cama, não há ninguém para me ajudar a andar. Olho para o dia que se desenha à minha frente e vejo-o como uma oportunidade única. É uma dádiva da vida que me ensina a reaprender a caminhar sozinho. Assim que os meus pés tocam a aspereza da terra, consciencializo-me que tenho mais um percurso de travessia pelo deserto, mais um dia de "linha vermelha". Começo por respirar fundo e tentar encher cada célula de luz, cada poro de vida. Lentamente os meus pés, descalços e nus sentem a instabilidade da corda bamba, sentem os picos do arame farpado a entranharem-se na minha carne ainda tenra. Pé ante pé, sigo em frente com a cabeça erguida olhos postos na linha do horizonte, fé consentida num nascer do sol cheio de possibilidades novas por explorar. Olho para trás (alguns não olham e pensam, que adianta recordar as cordas percorridas?) mas nunca olho para baixo (de que adianta a certeza que estou a 200 metros do solo sem rede de segurança?). Em cada posição do pé, surge uma nova realidade, uma nova aventura. É a Odisseia de Homero, onde eu, Ulisses, combato o Ciclope Polifemo das contas para pagar, combato um exército de birras, aprendo a lidar com olhares acusadores, enfrento tempestades de queixumes de quem nada sabe, de quem nada sente. E a travessia continua… enquanto os meus pés deslizam, sangrando e frágeis, cruzo-me com outras pessoas, itinerantes também nas suas cordas. Leio nos olhos o sofrimento de uns, que tentam desesperadamente manter o equilíbrio, leio nos lábios o sorriso de outros, que lutam estoicamente para manter as aparências… olho para mim e vejo que tenho duas armas, os meus braços são duas pedras preciosas que me permitem ainda trabalhar, que antiteticamente tornam o percurso mais leve, mais suave, mais bonito. O dia termina… deixo os pés repousar... Observo o meu corpo e faço o balanço: calcanhares em chagas, braços sem força, o corpo sovado pelo cansaço, o olhar sem brilho… mas a paz no coração de neste pôr do sol ter feito o meu caminho sozinho, ter conseguido chegar à outra margem, com a certeza de um dever cumprido, sem ter perdido o equilíbrio, sem ter caído, sem ter perdido o fio que me liga à vida.

https://www.youtube.com/watch?v=0eUrb43xYnQ

 

https://www.youtube.com/watch?v=NUluXjSIh-E